segunda-feira, 21 de maio de 2018

Preencher


Olhando aquele vidro de perfume pela metade sentiu o coração acelerar. Olhou para um lado, para o outro e reparou que também o seu guarda roupa estava com espaços vazios. Estremeceu.
Nunca soube muito bem o porquê de não conseguir deixar com que uma coisa acabe pra sentir a necessidade de possuir outra, de ter mais.
Desde o nascimento o amor de sua mãe lhe foi negado, e na adolescência o pai entendeu que também já podia deixa-la. As brincadeiras com os irmãos também lhe foram tiradas bruscamente para que ao invés delas tivesse responsabilidades. 
Foi tirada da escola que gostava,  do canto, da dança e da aula de literatura, estava sempre incompleta, sem concluir nenhuma fase.
Não aprendeu a terminar o que começa, em contra partida, aprendeu que as coisas lhe seriam tiradas quando menos esperava. Que não podia confiar no chão, pois ele tinha a incrível mania de se abrir.
Olhou em volta com o coração aos saltos pensando em voz alta: preciso de mais, preciso repor o que já gastei, antes que de uma hora pra outra já não tenha mais.
Saiu e foi tentar preencher aquele vazio que nunca entendeu com algo palpável, do qual pudesse ver e atribuir uma necessidade.
Na maior parte do tempo sentia vergonha de estar sempre repondo algo que não tinha acabado,  tentava entender o porque daquilo causar tanto pânico e tristeza, era incapaz de fazer qualquer ligação daquelas coisas banais com fatos de sua vida, não podia compreender sozinha que na verdade, pela metade estava o seu eu.


Andréia Ribeiro Lemos

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