segunda-feira, 21 de maio de 2018

Preencher


Olhando aquele vidro de perfume pela metade sentiu o coração acelerar. Olhou para um lado, para o outro e reparou que também o seu guarda roupa estava com espaços vazios. Estremeceu.
Nunca soube muito bem o porquê de não conseguir deixar com que uma coisa acabe pra sentir a necessidade de possuir outra, de ter mais.
Desde o nascimento o amor de sua mãe lhe foi negado, e na adolescência o pai entendeu que também já podia deixa-la. As brincadeiras com os irmãos também lhe foram tiradas bruscamente para que ao invés delas tivesse responsabilidades. 
Foi tirada da escola que gostava,  do canto, da dança e da aula de literatura, estava sempre incompleta, sem concluir nenhuma fase.
Não aprendeu a terminar o que começa, em contra partida, aprendeu que as coisas lhe seriam tiradas quando menos esperava. Que não podia confiar no chão, pois ele tinha a incrível mania de se abrir.
Olhou em volta com o coração aos saltos pensando em voz alta: preciso de mais, preciso repor o que já gastei, antes que de uma hora pra outra já não tenha mais.
Saiu e foi tentar preencher aquele vazio que nunca entendeu com algo palpável, do qual pudesse ver e atribuir uma necessidade.
Na maior parte do tempo sentia vergonha de estar sempre repondo algo que não tinha acabado,  tentava entender o porque daquilo causar tanto pânico e tristeza, era incapaz de fazer qualquer ligação daquelas coisas banais com fatos de sua vida, não podia compreender sozinha que na verdade, pela metade estava o seu eu.


Andréia Ribeiro Lemos

domingo, 13 de maio de 2018

Sobre as relações...



Um dia tudo estremece...

Estremece porque somos impar, na busca de ser mais que um...
Estremece porque não queremos deixar de ter algo em comum com nós mesmos, e não queremos aderir ao jeito do outro...
Estremece porque no meio desse bolo, nos perdemos e nos encontramos, enquanto nos confundimos...

Mas o estremecer proporciona tantas coisas, como a oportunidade de ressignificar sentimentos, e o nosso conceito sobre nós mesmos, o que mudaríamos afinal, se nada parecesse fora de ordem?
Estremece exatamente porque tem algo ali que precisa ser melhorado. 
Estremece sempre, antes de se consolidar...


Andréia Ribeiro Lemos

domingo, 6 de maio de 2018

Jeito de olhar


Olhos que enxergam o profundo...
Olhos que reparam em sutilezas e por vezes perdem o foco...
Olhos medrosos que temem sair do ritmo e de uma hora pra outra parar de se movimentar...
Olhos que enxergam longe, que permanecem  buscando aprimoramento, que mesmo quando desistem, terminam olhando em frente...
Olhos que analisam, que buscam respostas, que não se contentam...
Olhos que armazenam informação. Enxergam lá na frente, com a umidade do passado, a esperança do presente e o sonho no futuro...
Olhos que tudo vêem, que não deixam passar o primordial e que distribuem ternura...
São olhos curiosos, daqueles que buscam se surpreender, sempre abertos, buscando um caminho e sempre amáveis por onde passar.


Andréia Ribeiro Lemos