domingo, 21 de maio de 2017

Tristeza



É que depois de um tempo a tristeza aparece diferente, mesmo que quase sempre venha acompanhada de outros sentimentos desagradáveis, ela começa a fazer sentido. Surpreendentemente, agora ela vem como uma companhia nostálgica, uma velha amiga que vem visitar.

Ela vem pra dizer que algo falta, que ainda há muito o que se aprender com a vida que habita dentro de você, e na forma como a coloca pra fora. Mansamente, a tristeza bate na porta, e o que se pode fazer além de deixa-la entrar?

No momento em que ela entra vai logo te envolvendo, te dá um abraço carinhoso, te coloca num aconchegante momento letárgico e diz que sua intenção nunca foi outra que não fosse restabelecer a paz. Diz que gostaria de um momento da sua atenção, para que sem o véu da alegria você pudesse enxergar melhor seu caminho.

Um pouco ressentida com o fato de estar sempre sendo evitada, vem dizer que mesmo não sendo a melhor das companhias sua intenção é ajudar, é tirar um “bucadinho” a mais da sua ilusão, oferecer uma pausa pra reflexão e uma forma de tentar fazer com que você aprenda a adiar sua próxima visita.

“É pra isso que estou aqui!” – ela diz muitas vezes sem ser ouvida – “Para dar significado e suporte para a alegria, para que a cada dia que passe você se torne mais forte, e ela não precise ir embora com tanta frequência.”

Mal interpretada como os vilões, sua história não é contada, e sua função não é entendida. Mas, depois de tudo, é a partir dela que se tem esclarecimento e que se encontra sabedoria para lidar com a repetição de algo. As vezes é amedrontadora e te faz sentir coisas que normalmente não sentiria, da medo de se perder na sua companhia nublada, mas há quem tenha aprendido a percorre-la amigavelmente, depois que se entende que através dela se pode crescer.


Andreia Ribeiro Lemos

segunda-feira, 15 de maio de 2017

As aparências


Ela acordou, virou para o lado e não sentiu vontade de sair de casa naquele dia. Havia tido uma noite ruim e sabia que seu humor não estaria agradável. Nunca se permitiu sair sem estar no mínimo impecável e aquelas olheiras não dariam para esconder. Não se permite errar, não se permite mostrar fraquezas, nunca se permitiu expressar sentimentos para alguém além de si mesma. É vista como alguém inabalável, ninguém nunca a viu fraquejar, não é a pessoa que precisa de consolo é alguém que as pessoas procuram para serem consoladas. Diz-se que é a combinação de força com doçura, mas somente ela sabe que esse seu jeito foi absolutamente moldado pelos tentáculos alheios.

Aparentemente bem, se sente cansada ao se olhar no espelho. A perfeição é cansativa, ela não te permite falhar, não te permite perder, não te permite pedir ajuda e tão pouco se colocar como igual as outras pessoas. A perfeição tem o hábito de te colocar dentro de uma redoma de vidro, um lugar onde todos podem passar e apreciar, mas ninguém pode tocar profundamente. A perfeição sufoca, a faz calar todos os seus sentimentos, fingir que não sente como as outras pessoas e viver na mais pura aparência de equilíbrio.

Levanta, deita, levanta. Anda de um lado pro outro, olha pela janela do quarto do seu apartamento e imagina qual seria a sensação de se jogar, se teria a impressão de estar voando antes de atingir o chão, se enfim se sentiria viva antes de morrer. Imaginou qual seria a reação das pessoas ao saber de sua morte e riu ao pensar que todas falariam não fazer o menor sentido que uma garota bonita com a vida perfeita tivesse algum tipo de problema. Afastou-se da janela, e afastou esses pensamentos... “Amanhã vai ser outro dia.” disse pra si mesma.

No outro dia, sem olheiras e sem qualquer vestígios de sua crise do dia anterior, saiu e seguiu sua vida, observando as pessoas ao redor, invejando cada sorriso que lhe parecia sincero e pensando no quanto despertava a inveja das pessoas de quem ela invejava de volta, e riu novamente do quanto não via sentido em tudo aquilo, afinal se ela era só aparência, provavelmente aquelas pessoas também seriam.


(Baseado no relato de uma amiga)


Andréia Ribeiro Lemos

Centro de valorização da vida - CVV
Disque: 141

terça-feira, 9 de maio de 2017

Sensibilidade



Explicação inexistente, porque as vezes o sentir é suficiente para a necessidade de se clarear uma situação. Nenhuma máscara engana as vísceras que enjoam, apertam e demonstram o incômodo. Dificilmente algo externo irá enganar as sensações, porque muito antes das desconfianças serem justificadas um aperto no peito ou uma fisgada no estômago já estavam te avisando para permanecer atento.

Palavras das quais você duvida, ações que te fazem desconfiar das intenções, companhia que não acrescenta, pelo contrário, te esmaga, prende, agride e te pune. Incoerência entre o que se vê e o que se sente, necessidade de checar as próprias percepções. Agir para provar a si mesmo que os olhos podem até não enxergar tudo, mas que os sentimentos estão na frequência correta, buscar meios de aliviar as emoções que se formam sem que se esteja capaz de compreende-las no momento.

A razão não consegue acompanhar o que uma alma sensível capta, e a razão precisa de mais do que a pura sensação para acreditar no que está se desenrolando. Ir atrás do que se precisa confirmar, para que ninguém possa colocar sua percepção em dúvida e para que quando não se possa checar uma informação, você saiba que pode fielmente confiar no que está sentindo.



Andréia Ribeiro Lemos

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Conto: João - Torturando a si mesmo


Me vi ao lado de pessoas que não quero por perto, me vi conversando sobre coisas das quais não quero falar, fui em busca de deslealdade e fiquei com raiva quando a encontrei. Fiquei irritado, inquieto e ansioso, enquanto o tempo passava por mim, enquanto estava deitado em minha cama imaginando tudo isso.

Me pego tendo pensamentos como esse e justifico minha rotina, que poucas vezes me permite ter um tempo livre, a partir deles. Porque é isso o que acontece quando posso deitar e ter um tempo para pensar em coisas aleatórias. Viajo por um mundo onde tudo dá errado, onde sou traído e perco o controle dos acontecimentos. Um lugar onde permaneço aborrecido e não posso deixar de perceber as doses de pessimismo que ando cultivando.

São nessas horas que percebo que tenho pânico de viver. Que não posso me deixar levar e que tudo o que tenho para garantir meu equilíbrio são os meus hábitos costumeiros... Ao menos assim pensava. Volto para a minha programação, onde as pessoas são tão boas em fugir de si mesmas quanto eu, e não tenho como negar que adoro essa sensação de encaixe, de sentir que me identifico com as pessoas a minha volta.

Tenho conhecimento da pessoa que sou, e não posso dizer que tenho orgulho do que me tornei, ou que gosto plenamente da minha vida, mas aparentemente pra quem está de fora tudo vai bem, e isso costuma ser o que mais importa. É pobre pensar assim e eu sei disso... Não estou satisfeito, e é claro que disso também estou ciente. Mas como eu explicaria a mudança? Como eu reagiria a quebra da rotina? O que eu faria se não tivesse um lugar em que me encaixasse?

Soa covarde, mas a maioria das pessoas pensa dessa forma. Quem sabe um dia eu consiga vencer minha programação, consiga buscar aqueles sonhos que oculto até de mim mesmo. Quem sabe um dia eu perca o medo de me conhecer, eu perca a necessidade de me fazer igual. Quem sabe um dia eu deixe de menosprezar o que sinto e tente entender ao invés de camuflar.

Quem sabe um dia ... Mas não hoje.


Andréia Ribeiro Lemos