segunda-feira, 15 de maio de 2017

As aparências


Ela acordou, virou para o lado e não sentiu vontade de sair de casa naquele dia. Havia tido uma noite ruim e sabia que seu humor não estaria agradável. Nunca se permitiu sair sem estar no mínimo impecável e aquelas olheiras não dariam para esconder. Não se permite errar, não se permite mostrar fraquezas, nunca se permitiu expressar sentimentos para alguém além de si mesma. É vista como alguém inabalável, ninguém nunca a viu fraquejar, não é a pessoa que precisa de consolo é alguém que as pessoas procuram para serem consoladas. Diz-se que é a combinação de força com doçura, mas somente ela sabe que esse seu jeito foi absolutamente moldado pelos tentáculos alheios.

Aparentemente bem, se sente cansada ao se olhar no espelho. A perfeição é cansativa, ela não te permite falhar, não te permite perder, não te permite pedir ajuda e tão pouco se colocar como igual as outras pessoas. A perfeição tem o hábito de te colocar dentro de uma redoma de vidro, um lugar onde todos podem passar e apreciar, mas ninguém pode tocar profundamente. A perfeição sufoca, a faz calar todos os seus sentimentos, fingir que não sente como as outras pessoas e viver na mais pura aparência de equilíbrio.

Levanta, deita, levanta. Anda de um lado pro outro, olha pela janela do quarto do seu apartamento e imagina qual seria a sensação de se jogar, se teria a impressão de estar voando antes de atingir o chão, se enfim se sentiria viva antes de morrer. Imaginou qual seria a reação das pessoas ao saber de sua morte e riu ao pensar que todas falariam não fazer o menor sentido que uma garota bonita com a vida perfeita tivesse algum tipo de problema. Afastou-se da janela, e afastou esses pensamentos... “Amanhã vai ser outro dia.” disse pra si mesma.

No outro dia, sem olheiras e sem qualquer vestígios de sua crise do dia anterior, saiu e seguiu sua vida, observando as pessoas ao redor, invejando cada sorriso que lhe parecia sincero e pensando no quanto despertava a inveja das pessoas de quem ela invejava de volta, e riu novamente do quanto não via sentido em tudo aquilo, afinal se ela era só aparência, provavelmente aquelas pessoas também seriam.


(Baseado no relato de uma amiga)


Andréia Ribeiro Lemos

Centro de valorização da vida - CVV
Disque: 141

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