terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Conto: Laura


Laura em muitas de suas conversas com Margarida, sua companheira e confidente, depois de contar os abusos que sofrera, as injustiças que lhe foram dirigidas, as ofensas indevidas e todas as mazelas de uma vida que para ela no momento não fazia o menor sentido, ouviu de sua amiga que se ela fosse descrever Laura para alguém, descreveria como sendo a pessoa cuja superfície é calma e impenetrável, mas que possui o interior mais inquieto que ela já vira. Laura manteve seu semblante sereno, aquele que aprendera a fazer desde criança, e acabou mudando de assunto. O tempo foi passando, ambas conversaram sobre outras coisas, e logo se despediram e voltaram para as suas vidas.

Como de costume em sua vida, aquilo borbulhou dentro de Laura por dias. Andava por aí se sentindo uma fraude, sentindo como se fosse alguém que passou a vida fingindo ser algo que não era, alguém cuja a calma e paciência eram admiradas, mas que não sabia mais se aquilo realmente lhe pertencia, já que por dentro tudo era o total oposto. Observou-se, sempre adorou fazer isso, nem que fosse simplesmente para criticar a si mesma. Sentimentos intensos, primeira coisa que encontrou, revolta, a segunda, medo de não conseguir encontrar a diferença entre o que era e o que a forçaram a ser, parou por aí. Não fazia muito sentido, sentir tanto e agir moderadamente. Ter tido um passado assombroso e andar por aí como se fosse uma princesa que saiu de algum conto de fadas ruim. Mas, na sua experiência com o mundo, que mesmo ela sendo tão jovem já tinha visto praticamente de tudo, já havia entendido que nada faz muito sentido mesmo. Prosseguiu. Enquanto vivia dentro de sua rotina, que não era lá grande coisa, mas que ela sempre adorou, leu em algum lugar que se entender consiste em primeiro olhar para dentro de si, mas que observar o comportamento das pessoas ao redor também é fundamental para um processo de autoconhecimento. Adorava se observar, e agora aprendera a observar o que os outros despertavam nela.

Por muitas razões, há muito tempo, havia se fechado para o que lhe era externo. Aquela forma de viver tinha funcionado até ali, mas sua curiosidade, como sempre, acabou sendo maior. Observou o comportamento das pessoas ao redor, presenciou cenas que incluíam muitas atitudes precipitadas, pessoas que tiravam conclusões sobre tramas das quais não conheciam nem a metade e se viu dentro de uma porção de disputas das quais não fazia ideia de que estava participando, e não estava, mas havia sido colocada lá. Lembrou de Margarida e da frase que a acompanhou até ali, pensou sobre ser impenetrável: “para alguém que sente tanta coisa é melhor mesmo que quase ninguém possa ver o que se passa no meu interior”. Pensou sobre o sentimento que estava carregando: "seria mesmo ela uma enganação?" Sentir e controlar seus atos é fingir ser o que não é? Ou é ter consciência e saber se manter equilibrada diante das situações? Gostou da segunda opção, afinal não mentia sobre o que sentia, só sabia distinguir para quem contar.

Engraçado como coisas consideradas pequenas nos levam a tomadas de consciência. Continuar sentindo e não se comprometer ou agir de forma desordenada é o que queria continuar fazendo, adorou a forma como era, integrou mais uma peça em si e prosseguiu.



Andréia Ribeiro Lemos

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